sábado, 2 de agosto de 2008

My Goose.

Então eu acordei. Olhei para o lado e ela ainda dormia, com os cabelos loiros caídos na cara. Levantei da nossa cama improvisada na sala e fui até a janela. Acendi o cachimbo, dei uma baforada e vi o dia, estava bem como eu gostava: frio, bem frio, mas com sol. Esses dias me lembram que o mundo não é um lugar tão ruim assim, e, apesar de todos os problemas uma coisa pode dar certo. Liguei o rádio e coloquei nosso CD favorito para tocar, enquanto fazia arroz e esquentava as panquecas da noite passada. Ela acordou e me encontrou na cozinha:

- Bom dia.
- E aí. Dormiu bem?
- Maravilhosamente bem, e tu?
- Claro. Escuta, to fazendo arroz;
- Tudo bem, vou ao banheiro.

Terminei a comida, ela ia demorar, começou a tomar banho, sempre demora no banho. O som rolava e fui até o banheiro acompanhá-la. Sentei-me para uma cagada. A vida podia continuar assim. Coloquei mais fumo no cachimbo e fiquei pensando em como tudo estava maravilhosamente bem.

Braga;

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Gato Félix e a bolsa mágica cheia de surpresas desagradáveis


A caneca do gato Félix e eu. Nós nos fazíamos companhia nas noites solitárias enquanto algum Tele Dimanche da vida revelava mais uma estrela fresca e jovem. Mas uma mulher com os olhos empapados de sangue (malditos barbitúricos!) e praticamente estirada no ringue ninguém queria mais. Nem mesmo Johnny. Fazia tempo que ele não tomava café estourando de tão quente na caneca do Mickey que comprei para ele no Euro Disney. Gato Félix entendia-me. E agora amanhecia lá fora e no lugar do Tele Dimanche entrava o programa sobre música moderninha-alternativa-do-inferno. Hum, Queen. Gosto do Queen, Freddie Mercury certamente me entenderia, dois rejeitados, cuspidos e escarrados pela sociedade. Mas ele morreu com glória e eu morrerei esquecida, nem Matite, Mamãe, empresários de merda querem saber de mim. Falando nisso, Matite arranjou um infeliz que ela chama carinhosamente de “namorado”.



- Mamãe foi uma coelha, você quer casar e ter 14 filhos também? É esse o futuro tão sonhado? Esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque, enquanto no seu interior se forma mais um remelentinho, um por ano.



Claro que ela não me ouviu, não sou mais a irmã bonita e bem resolvida de outrora. Agora eram confabulações pra cá e pra lá e elas faziam questão de excluir-me. Em minha própria casa, comendo de minha comida, pisando sobre meus tapetes persas! Comecei a pensar seriamente em expulsar as duas de casa, mas Monique não vive sem Mamãe e eu não vivo sem a Monique. Já passei da idade de maquinar planinhos idiotas. Só o que falta é pensarem que eu irei pagar a cerimônia, eu por acaso cago dinheiro? Ganho meu dinheiro com muito esforço como qualquer brasileiro por aí, com a diferença de que às vezes preciso fazer algumas coisas a mais como abrir as pernas, virar de costas... Nem sei mais sorrir, minha boca é de plástico.


Num dia muito frio de julho, de pijamas e blusão de lã até o joelho, estava Mimi fumando seu cigarro na sacada. Sem um traço de hesitação, ela não sabia o que seria daquela noite, provavelmente mais uma sem sexo, pois disso ela nem sabia mais do que se tratava. A campainha tocou e a pizza devia ter chegado. Abriu a porta e o entregador não se parecia com nenhum daqueles toscos, de boné na cabeça, idiotas. Ele era alto e tinha cabelos brancos, um idoso tendo que sustentar-se depois de 30 anos de trabalho árduo. Johnny Stark, o entregador das pizzas e de frases devastadoras.




- E aí, princesa? – ele perguntou
- Que isso? Vocabulário coloquial?
- Como você faz perguntas. Posso entrar?

É óbvio que pode entrar seu idiota. Não se pede permissão pra essas coisas, você quer entrar em mim agora? Ele entrou e comecei a achar que hoje o Gato Félix não me faria companhia.



- Você está um lixo.

Obrigada, graças aos remédios que o médico fajuto da puta que o pariu receitou.

- Pára. Estou com meus olhos empapados de sangue, cansada, de pijamas surrados e você ainda me vem aqui pra dizer o que eu já sei. É demais para uma meia pessoa como eu. Fazendo o favor de retirar-se imediatamente.

- Calma, calma! (eu gostaria de poder descrever o deboche que estava estampado em seu rosto, mas não consigo) Olha vim aqui fazer companhia pra você, se não quiser, irei embora.

- Eu e minha caneca do Gato Félix temos muito que conversar, mas nossos assuntos estão saturados. Logo gostaria de bater um papo com a caneca do Mickey Mouse que comprei no Euro Disney.


- Aquela caneca ainda existe? Jesus Cristo, Mireille, você a guardou?

- É claro, não quero que tua boca toque na prataria, essa boca que eu não sei aonde anda, o que faz o que toca...

- Não vamos começar.

- Então não comecemos.

- Você parece bonita cheia de consideração.

- Há um minuto, eu era um depósito de lixo.

- Não estrague as coisas. Você parece bonita, juro. De caneca na mão, fumando cigarros, assistindo televisão. Isso é excitante de certa forma.

- Essa vida de mulher acima dos 35, é excitante? Poupe-me Johnny, Mon Dieu.

- O maldito lance com idade. Não importa quantos anos tiver, você será sempre igual, a mesma fragilidade, uma criança travessa da qual precisamos ficar observando para que não apronte nada. Isso não irá mudar e você sabe. Algumas rugas te incomodam e você pensa que me incomodo com o formato que teu rosto está tomando. Não. Desde que eu possa usar o corpo, o rosto me é o de menos. Pelo menos enquanto teus seios forem firmes como rocha e eu puder segura-los em minha mão. Mireille, eu tenho 20 anos a mais que você e quantas vezes reclamei de velhice? Enquanto eu poder-te foder e colocar de quatro na cama, estarei vivendo a vida e satisfeito. Depois morrerei e tu irá junto e vai pensar que perdemos tempos com rugas, cremes, programas e maneiras de publicidade. Por isso venha me fazer um carinho agora.

E eu fui como uma gata que lambe os pés do seu dono...